quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Velório Misterioso

Luís Campos (Blind Joker)


Quando soube da notícia
de que morreu um artista
eu corri pro telefone
e liguei lá pra revista
e me disse a mocinha:
- Foi um cego anarquista!

Eu fiquei preocupado
querendo tudo saber
que cego foi que morreu
e liguei pra A-B-C
perguntei a Indiara
ela disse: Foi você!

Sempre fui bem-humorado
e gostava de brincar
pra comer peixe assado
já botei fogo no mar
pintei um mar de vermelho
o Mar Morto quis matar.

Antes de fazer sucesso
eu não podia morrer
e agora, como vou
meu best-seller escrever?
Tanta coisa inacabada
que ninguém nunca vai ler.

Ao chegar no cemitério
pro meu corpo ser velado
vi amigas e amigos
e me mantive calado
se falo qualquer bobagem
não fica ninguém do lado.

Eu, um ceguinho legal
morrer repentinamente?
Isso deve ser boato
para confundir a gente
quero saber a verdade
por ser muito exigente.

Ao dar um giro por lá
vi defuntas horrorosas
muitas com caras de bruxas
e as roupas bem sebosas
umas de bunda pra lua
outras fedendo a fossa.

Vi duendes e gnomos
fazendo um carnaval
vi um cego ali perto
com jeito de leprechau
esqueletos e fantasmas
em macabro ritual.

Vi lobisomem zarolho
vampiro fazer careta
vi a mula-sem-cabeça
dançando com o capeta
vi um anão de corcunda
dando uma pirueta.

Vi um grande caldeirão
com aranha e lagartixa
requebrando, vi um bruxo
com um jeitinho de bicha
vi espírito-de-porco
nas unhas passando lixa.

Vi bonitos mausoléus
com as portas arrancadas
por cima das catacumbas
vi muitas almas-penadas
vi zumbi fazer vodu
morto-vivo dar risada.

Vi um Saci-Pererê
numa grande bebedeira
por causa de uma Cuca
vedete de gafieira
tudo isso, em agosto
dia treze, sexta-feira.

No céu todo estrelado
brilhava a lua-cheia
vi no fundo dum barranco
ogras bizarras e feias
almas tétricas, grotescas
sem rabo, uma sereia.

Na esquina da igreja
vi despacho pra Exu
que tinha um galo preto
cachaça e caruru
euro, dólar e real
e pena de urubu.

Vi silfos e salamandras
um elfo numa latrina
um esqueleto magrelo
tirando sua batina
um pai-de-santo baiano
jogava búzios de quina.

Uma caveira astróloga
traçou meu mapa astral
um unicórnio negro
no tarô era o tal
um gigante de um olho
lia alto um missal.

De sepulcro em sepulcro
passeava Dona Morte
a coruja piou alto
selando a minha sorte
nem valeu o talismã
que trazia no meu short.

Uma hidra de cor verde
enrolou no meu pescoço
enfiei em suas bocas
duma manga, o caroço
cortei as suas cabeças
e joguei dentro dum poço.

Para fugir dum demônio
pulei sobre um dragão
saltei muro de três metros
fui cair num rabecão
para do bicho fugir
me escondi num caixão.

Me bati com uma morta
muito gostosa e bela
ao me dar uma cantada
disse que morreu donzela
como a carne é fraca
até fiz amor com ela.

Nessa hora, escutei
a sonora gargalhada
de fedorento diabo
que olhava da sacada
com seu fedor de enxofre
ela ficou enjoada.

Ao pipocar de trovões
todo céu escureceu
três harpias me atacam
e cérbero me mordeu
e para fugir das górgonas
eu chamei pelo Perseu.

Retornando ao velório
para cumprir meu papel
ao sentar-me no caixão
foi aquele escarcéu
todos gritaram: Milagre!
Quando li esse cordel.

Eu digo que é verdade
o que aqui relatei
o que houve no velório
se passou como contei
se o cego morreu mesmo
até hoje eu não sei.

Desejando muita paz
acabo esse comício
pra você me conhecer
aqui deixo um indício:
Tô usando roupa cinza
fugi ontem... do hospício!

Hahahahahahahaha! hahahahahahaha!

- - -

FIM

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